O litígio no processo principal tem por objeto um acordo de no‑poach celebrado pelos clubes de futebol que jogam na Primeira e Segunda Ligas portuguesas, com a conivência da associação nacional de futebol, durante a pandemia de Covid-19.
Em abril de 2020, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (“LPFP”) e os clubes da Primeira Liga publicaram um comunicado no qual era anunciado que nenhum clube avançaria para a contratação de um jogador que rescindisse unilateralmente o seu contrato de trabalho evocando questões provocadas pela pandemia de Covid-19 ou por decisões excecionais decorrentes da mesma. Os clubes da Segunda Liga anunciaram a sua intenção de aderir a esta regra.
Em maio de 2020, a Autoridade da Concorrência (“AdC”) decretou uma medida cautelar destinada a suspender com efeitos imediatos, por um prazo de 90 dias, o referido acordo de não contratação (no-poach). A LPFP e os clubes concordaram com a medida cautelar.
Em abril de 2022 a AdC proferiu uma decisão final na qual qualificou o acordo de no-poach como acordo anticoncorrencial, por violação do artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio (que aprova o Regime Jurídico da Concorrência) e do artigo 101.º, n.º 1 TFUE, e aplicou sanções pecuniárias às sociedades envolvidas.
Essa decisão foi impugnada por 28 dessas sociedades junto do TCRS. Foi no âmbito deste recurso que o TCRS apresentou ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.
A fim de aferir da compatibilidade de tal acordo com o artigo 101.º, n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), o TRCS pediu ao Tribunal de Justiça que forneça orientações sobre o conceito de restrição da concorrência “por objetivo”, bem como sobre o alcance dos princípios decorrentes da “jurisprudência Meca‑Medina”.
Nas suas Conclusões emitidas no âmbito do pedido de decisão prejudicial, o Advogado-Geral Nicholas Emiliou propõe que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões prejudiciais submetidas pelo TCRS: que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo de no‑poach, celebrado durante a pandemia de COVID‑19 por clubes desportivos profissionais, com a conivência da sua associação desportiva nacional:
1) não deve ser qualificado de restritivo por objeto, se a sua verdadeira razão de ser tiver sido preservar a equidade e a integridade da competição desportiva afetada pela pandemia; e
2) está abrangido pelo âmbito de aplicação da jurisprudência Meca‑Medina, desde que, em particular, vise verdadeiramente garantir a integridade e a equidade da competição desportiva, e seja necessário e proporcionado a esse objetivo.
O Advogado-Geral fundamentou a sua conclusão 1) nas seguintes considerações:
- Apesar de os acordos de no-poach reunirem todas as características para serem consideradas, prima facie, restritivas da concorrência por objeto, é necessário ter em consideração o conteúdo, o contexto jurídico e económico e os objetivos do acordo em causa, a fim de verificar se existem circunstâncias específicas suscetíveis de pôr em dúvida a natureza prejudicial do acordo.
- O conteúdo do acordo (o seu âmbito de aplicação limitado), o seu contexto (a pandemia de Covid-19) e o seu objetivo (garantir uma conclusão ordenada da época desportiva) exigem uma apreciação mais aprofundada por parte do TCRS.
- O acordo de no-poach não deve ser qualificado de restritivo por objeto se a sua verdadeira razão de ser tiver sido preservar a equidade e a integridade da competição desportiva afetada pala pandemia.
O Advogado-Geral fundamentou a sua conclusão 2) nas seguintes considerações:
- Se (e apenas se) o TCRS concluir que o acordo de no-poach não é restritivo por objeto (como resulta da apreciação preliminar do Advogado-Geral), aplicará a jurisprudência Meca-Medina determinando, face ao contexto jurídico e económico do acordo, se: i) o acordo é justificado pela prossecução de um ou mais objetivos legítimos de interesse geral que não são, em si mesmos, anticoncorrenciais; ii) os meios específicos utilizados para prosseguir o objetivo em questão eram verdadeiramente necessários para esse fim; iii) os efeitos do acordo não ultrapassam o que é necessário para atingirem o seu objetivo, nomeadamente eliminando toda a concorrência.
- Em caso de resposta positiva aos três pontos, o acordo em causa não é abrangido pela proibição do artigo 101.º TFUE.
- Apesar de o TCRS ser o órgão melhor posicionado para responder a estas questões, há algumas características do acordo e respetivo contexto que são importantes: a) o âmbito de aplicação geográfico e pessoal limitado do acordo; b) a urgência da questão e a incerteza e complexidade da situação suscitada pela pandemia, que exigiam medidas simples em termos de conceção e execução e razoavelmente disponíveis; c) o impacto relativamente pequeno do acordo na atividade económica dos jogadores de futebol envolvidos.
- O entendimento preliminar do Advogado-Geral é o de que o acordo de no-poach foi concebido de forma a limitar, tanto quanto possível, o impacto na concorrência entre os clubes envolvidos, sendo dificilmente identificáveis medidas alternativas, igualmente eficazes e menos restritivas.